No bairro de Vila Rica, Zona Leste de São Paulo, Gerson Tavares mora com a família na casa que seu pai construiu e, anos depois, conseguiu ampliar com a ajuda dos filhos. Ali vive o primeiro tetracampeão da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Medalhista entre 2005 e 2008, Gerson hoje tem 24 anos, é recém-formado em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo (USP) e trabalha em uma empresa de consultoria industrial, onde coordena equipes de técnicos em eletrônica. Ele também já participou do Projeto Espacial Brasileiro, programando sistemas de lançamento. Estudante da rede pública ao longo de toda a vida escolar, ele credita o sucesso de sua carreira à OBMEP: "para chegar aqui, o primeiro passo foi dado na minha inscrição na Olimpíada, em sua primeira edição".
A história do jovem paulistano na OBMEP começou aos 14 anos, em 2005, na primeira edição da competição. Ele estudava na Escola Estadual Deputado Norberto Mayer Filho, próxima à sua casa, também na Zona Leste, e estava na 8ª série, atual 9º ano do Ensino Fundamental. Longe, até então, de se destacar na sua turma, o jovem confessa que "não era do tipo sabe-tudo". Ele lembra o susto que tomou ao ver seu nome no topo da lista de resultados da primeira fase: "Foi uma grande surpresa ter tirado a maior nota da escola, nunca fui um destaque em sala".
A preparação para a prova foi praticamente nenhuma. Gerson não tinha acesso à internet e não podia passar o tempo livre na biblioteca do colégio. "Fui com a cara e a coragem", lembra o jovem, que se interessou pelas questões da prova por serem desafiadoras e diferentes do modelo visto em classe: "Os problemas da olimpíada faziam a gente pensar. Não era só aplicação de fórmulas - você tinha que dar uma passo além. Essa foi a parte mais interessante".
Foi a OBMEP que despertou nele o interesse pela matemática e o levou a buscar conteúdos mais avançados. A novidade, aliada ao desafio, foram a chave do estímulo de Gerson, que passou para a segunda fase. Desta vez, a prova foi feita em outra escola, o que para o então adolescente do subúrbio foi um convite ao passeio pela cidade e a sair da rotina. "Eu nunca tinha feito nada fora do que era cobrado dentro de sala, sequer tinha ido a outra escola que não a minha", lembra. Nos dias entre a primeira e a segunda fase da Olimpíada, estimulado pelo retorno positivo inicial, ele foi atrás de livros didáticos de anos mais avançados em busca de reforço. Como esta era a primeira edição, não havia histórico de provas anteriores para basear seus estudos. Era como se ele estivesse tateando no escuro em busca de informação.
Chegado o dia, Gerson se deparou com questões dissertativas onde deveria explicar a ordem de seu pensamento, algo que nunca tinha visto em um teste de matemática. Com a confiança abalada, saiu da prova achando que esta tinha sido sua última participação: "Dei meu melhor, mas nunca tive esperanças de que conseguiria algo. Simplesmente não tinha expectativas". No entanto, novamente surpreendeu a si e a todos da escola ao figurar no topo do ranking, desta vez com a palavra mágica ao lado de seu nome: ouro. "Pensei: isso está errado, não é possível. Só aceitei quando vi que eram 100 medalhas de ouro", lembra, como que diminuindo a conquista.
A medalha da OBMEP é uma porta de entrada para o Programa de Iniciação Científica (PIC). Nele, os estudantes conhecem um novo tipo de matemática, que estimula a criatividade, o raciocínio, o poder de iniciativa e a troca de conhecimentos. A professora Ana Catarina Hellmeister, coordenadora nacional do programa, acompanha a vida de Gerson desde sua primeira medalha, e o chama de "talento excepcional" e "menino de ouro" - este último, mais do que justificado. Para ela, o PIC é o "maior prêmio que a OBMEP oferece" aos 6,5 mil alunos premiados com medalhas. Organizados em salas virtuais, os alunos debatem em fóruns a resolução de problemas e, presencialmente, são reunidos e avaliados uma vez ao mês.
A medalha de 2005 foi apenas a primeira das quatro recebidas pelo paulistano. A partir dela, Gerson fez questão de sempre participar da Olimpíada, mas o fez praticamente em sigilo, sem que nenhum colega de classe soubesse. "Não falava para ninguém que tinha conseguido as medalhas, porque não queria despertar ciúme nem bullying. Mas logo o diretor descobriu e contou para todo mundo, e a recepção dos colegas foi melhor do que eu pensava", lembra Gerson. No entanto, ele admite que os “melhores amigos”, com quem ainda tem contato, saíram dos anos em que fez parte do PIC.
Com um conteúdo avançado em relação ao da escola, a iniciação científica da OBMEP se tornou sua preparação para as edições seguintes. Sempre inseguro, a cada nova Olimpíada Gerson achava que seria sua última. "Lembrava que havia alunos mais velhos e sempre pensava em como o Brasil era grande. Era muita gente competindo comigo". Ao mesmo tempo, realizava as provas cada vez com mais afinco.
No ano seguinte à estreia na competição, trocou de colégio e começou a frequentar o Ensino Técnico, fazendo aulas noturnas para poder estagiar à tarde, o que dificultou seus treinos olímpicos. Enquanto crescia dentro da matemática, também via aumentar seu interesse por engenharia. O curso técnico em eletrônica, bem como o estágio, lhe davam a noção prática das contas que tanto amava. Ao mesmo tempo, exigiam muito de outro tipo de cálculo: o do tempo. Durante todo o Ensino Médio, foi necessário administrar os estudos no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) com o estágio, a escola e o PIC. Ufa! Uma rotina que começava às cinco horas da manhã e acabava às onze horas da noite.
No PIC, Gerson também tomou conhecimento das competições regionais e passou a ser um "atleta da matemática". Em 2007, participou das olimpíadas paulistas e, mais uma vez, ganhou ouro. Chamou a atenção de diretores de colégios particulares da capital paulistana, mas rejeitou convites e bolsas - queria se manter em escola pública para poder continuar participando da OBMEP. Aceitou apenas participar das aulas de preparação para competições matemáticas. Nas noites de sexta ainda tinha pique para, depois da rotina semanal pesada, participar das aulas intensivas, às quais conquistou o direito de frequentar gratuitamente graças ao desempenho exemplar na OBMEP.
Todo esforço foi recompensado em 2008, quando se formou no ensino técnico, foi efetivado na empresa onde estagiava e recebeu pela quarta vez a medalha de ouro da OBMEP, tornando-se o primeiro tetracampeão da competição. "Foi uma tensão danada, porque sabíamos que seria um recorde na olimpíada", lembra a professora Ana Catarina Hellmeister, que, na torcida pelo rapaz, vibrou quando soube do resultado.
Após concluir o Ensino Médio, Gerson passou para o curso de Engenharia Eletrônica na USP, onde se formou com louvor em 2014. Mas não se desvinculou da OBMEP sequer por um segundo. Até hoje ele trabalha como monitor do PIC e faz trabalho voluntário treinando alunos da rede pública entre a primeira e a segunda fases da competição. São dez sábados por ano em que ele dedica suas manhãs aos novos "meninos de ouro", levando suas medalhas para incentivar os estudos e contando suas histórias - e, claro, ajudando a solucionar problemas.
Também é participante permanente do Projeto de Melhoria do Ensino de Matemática das Escolas Públicas, ministrado na USP. "Sou muito grato a tudo que a OBMEP me rendeu e quero, sempre que possível, retribuir. Não tive muito apoio no início. Por isso, quero ser para essas crianças o que me faltou quando tinha a idade delas".
Pelas suas ações e iniciativas, Gerson mostra que não apenas suas medalhas nas olimpíadas de matemática são de ouro, mas também o seu coração.