Professor de escola pública em áreas onde os indicadores de criminalidade e desenvolvimento humano figuram entre os piores do Estado do Rio, Deivison Albuquerque Cunha lida diariamente com cenários desfavoráveis. Nem por isso, resigna-se.
O espírito inconformado o fez tentar maneiras de inserir a Escola Municipal Alberto José Sampaio na lista de premiados da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas).
Situada na Pavuna, na Zona Norte da capital, divisa com a Baixada Fluminense, a instituição atende 779 alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, em dois turnos. À noite, vira unidade estadual, onde estudam alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Além da avaliação da prática docente, Deivison considerou que envolver os alunos em um desafio prévio à competição nacional poderia contribuir para a preparação e dar-lhes uma chacoalhada no ânimo.
“Criamos uma olimpíada dentro da escola para tentar incentivar nossos estudantes e mostrar que eles podem, sim, conquistar premiações na OBMEP”, conta o professor, de 38 anos, sobre a competição da Alberto José Sampaio, anual desde 2013.
Organizá-la também é um desafio. O trabalho é voluntário, e as premiações são adquiridas com recursos que os próprios professores reúnem para bancar algo que eles acham fundamental: o reconhecimento pelas conquistas alcançadas.
A olimpíada interna é aplicada cerca de dois meses antes da OBMEP. Assim como a competição realizada pelo IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), possui duas fases: a primeira, objetiva, de múltipla escolha; a segunda, discursiva.
Há semelhanças e diferenças, explica Deivison. Enquanto a OBMEP divide os alunos em três níveis, a competição da escola da Pavuna tem quatro níveis, um para ano do Ensino Fundamental II.
Já a segunda fase da competição, que reúne o grupo dos 5% melhores alunos, pode ter também alguém que não se classificou, mas alcançou o maior desempenho. “Assim todas as turmas da escola participam da competição. Todos se mobilizam”, explica.
Este ano, as provas já foram aplicadas. A premiação dos 12 medalhistas ocorrerá com pompa e circunstância, no início do segundo semestre. “Convidamos grandes matemáticos para a cerimônia Eles vêm até a escola e dão uma palavra de incentivo aos alunos. Já tivemos a honra de receber Marcelo Viana [diretor-geral do IMPA] e Gugu [Carlos Gustavo Moreira, pesquisador do IMPA].”
Diante dos resultados alcançados na OBMEP, Deivison avalia que seguem o caminho certo. Não bastasse o aumento na participação na olimpíada, a escola passou a figurar entre os premiados. Diz, porém, ser longa a trajetória. “Ano a ano, melhoramos nossos resultados. Agora, temos menções honrosas e uma medalha de bronze. Sabemos que é um processo.”
Há um ano e meio na direção da Alberto José Sampaio, Cinthya Tebaldi comemora os resultados e observa que o desempenho precisa ser contextualizado.
“Estamos em bairro com IDH muito baixo, com alto nível de pobreza. Temos alunos com muitas dificuldades em todos os sentidos, de aprendizagem, sociais. Isso interfere diretamente no desempenho do estudante e da escola. Temos colhido frutos positivos. Um aluno motivo o outro. O mesmo acontece com os professores. Mas sabemos que há o que melhorar”, diz Cinthya, descrevendo Deivison como um “entusiasta da Matemática”.
Os alunos fazem coro.
“Minha relação com a Matemática era um sufoco. Não compreendia a matéria. Até que percebi que o problema estava em mim. Precisava dar mais atenção ao assunto. As aulas descontraídas do Deivison me ajudaram”, relata Nathan Matos, de 15 anos. Também do 9º ano, Gabriela Alvim, 14, já gostava de Matemática, mas começou a dar mais valor à disciplina. “Um incentivo a mais é sempre bom.”
Deivison sabe o quanto o estímulo se torna ainda mais relevante em áreas onde as faltas são costumeiras. Com uma rotina de trabalho exaustiva, comum a tantos professores brasileiros, ele vive e atua profissionalmente em regiões de risco.
Às segundas, terças e quartas-feiras, ele se divide entre as aulas para o Fundamental no Alberto José Sampaio e na Escola Municipal Roberto Weguelin de Abreu, em Duque de Caxias (cidade na Baixada Fluminense). Nos outros dois dias da semana, passa boa parte do dia em Nova Iguaçu (também município da região), onde mora e leciona nos ensinos Fundamental e Médio do Colégio EME. À noite, o compromisso é com as turmas da Universidade Estácio de Sá.
Para completar, coordena a região RJ05 do Programa OBMEP na Escola, cuja meta é melhorar a qualidade do ensino da disciplina no país, estimulando a adoção de novas práticas didáticas com uso de material da olimpíada. Reúne-se uma vez por mês com os professores bolsistas. “É uma maratona”, brinca, sobre a agenda diária.
Ainda assim, desde o início do ano, Deivison soma mais uma atividade, da qual é entusiasta. Passa as tardes de quinta-feira na Alberto José Sampaio, onde coordena o Projeto Meninas Olímpicas do IMPA. Com apoio do CNPq, a iniciativa pretende estimular a presença de alunas em atividades ligadas à Matemática, como olimpíadas.
“Das 12 alunas, dez estão classificadas à segunda fase da OBMEP”, diz Deivison, orgulhoso, contando que foi como monitor do Fundamental em Nova Iguaçu o início da atuação como professor. Tomou gosto, trabalhou em pré-vestibulares e concluiu a licenciatura em Matemática na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Fez concurso para os municípios do Rio e de Duque de Caxias, onde permanece até hoje. Em 2012, participou de uma das primeiras turmas do PROFMAT (Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional), apoiado pelo IMPA.
Apesar do ritmo puxado, quando está com os dois filhos, consegue um tempinho para... ensinar Matemática. “De vez em quando o mais velho traz um amigo ou a namorada para uma aula”, relata, aos risos. Quando o professor é bom, todo mundo quer tirar uma palinha.