No ano em que disputará uma bolsa integral para fazer o Ensino Médio em um colégio particular de São Paulo, a estudante Sara Novais Feliz, de 15 anos, enfrenta desafios extras por conta do novo coronavírus e da educação à distância. Medalhista da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), ela divide um único computador com os outros quatro membros da família, e chegou a ficar dez dias sem internet durante a quarentena. “Tive que me organizar para manter um cronograma, e não atrapalhar as coisas. É difícil, mas dá para levar”, conta.
Desde sua estreia na olimpíada, em 2017, ela já conquistou uma medalha de ouro, uma de prata e uma de bronze. O bom desempenho na competição, que considera “uma fonte de oportunidades”, permitiu seu ingresso no Programa de Iniciação Científica (PIC Jr.) onde, além de aprofundar seus conhecimentos matemáticos, conheceu o Projeto Alicerce, do ISMART (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos). Há dois anos, ela participa de um curso preparatório da instituição privada que vai selecionar, no fim de 2020, estudantes para uma bolsa integral em escolas particulares renomadas de São Paulo.
Em uma rotina normal, com aulas presenciais, Sara sai de casa às 6h30 e só volta às 21h30. Aos sábados, nada de descanso. É dia de frequentar as aulas do PIC Jr. no polo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). “Acaba que tenho uma jornada dupla de estudos, com aulas de manhã na Escola Municipal Neuza Avelino da Silva Melo, e com aulas à tarde no Colégio Bandeirantes, no centro de São Paulo”, comenta.
O esforço compensa. No primeiro ano de participação no PIC Jr., quando ainda frequentava o polo da Universidade de São Paulo (USP), no Butantã, a estudante acordava às 4h30 para estar no campus às 8h30, horário de início das aulas. Moradora do bairro Jardim Matarazzo, ela ia acompanhada pela mãe, Silvana, à universidade. “Era muito puxado, mas quando começava a aula, sentia que tudo tinha valido a pena”, conta.
Grande incentivadora da educação dos filhos, a dona de casa, que atualmente cursa pedagogia pelo Programa Universidade para Todos (Prouni), também não se incomodava de realizar as excursões aos finais de semana. “Para mim, que vim de uma classe baixa sem muita estrutura, ver meus meus filhos estudando é um orgulho.” Geovana e Guilherme, os outros filhos de Silvana e do vigilante Juvenal, já estão cursando o Ensino Superior.
A busca por conhecimento acompanhou a medalhista desde cedo, conta. Quando estava na creche, aprendeu a ler e escrever antes dos outros colegas, e seguiu antecipando os conteúdos dados no Ensino Fundamental. “Já estava ficando um pouco chato. Sentia que poderia aprender mais coisas”, relembra Sara. No 6º ano, o professor Eremilton Rocha trouxe o desafio que ela precisava: um curso preparatório para a OBMEP, olimpíada da qual ela nunca tinha participado.
“Ele viu que eu me destacava e criou esse projeto para os alunos que queriam ganhar medalha na competição”. Uma turma de 10 estudantes se reunia diariamente com o professor no contraturno das aulas para resolver as questões das edições anteriores. “Ele tirava todas as nossas dúvidas com muita calma. Foi um dos professores que me deu mais conforto para estudar. Viu que eu realmente queria aquilo e me apoiava, montava uma estrutura de estudos”, conta a estudante.
Seu esforço também não passou despercebido por Eremilton. “Eu imprimia as provas anteriores e ela trazia no dia seguinte feitas. Tinha um retorno muito rápido. A dedicação dela era 100%”, lembra o professor. O resultado foi a conquista de sua primeira medalha na competição, um bronze. “Esperava talvez ganhar uma menção honrosa, mas não uma medalha. Minha escola não tinha um histórico de medalhistas”, diz Sara, que considera a conquista um dos pontos mais importantes de sua trajetória acadêmica. “Refletiu um mérito, um esforço que eu vinha fazendo há algum tempo.”
Com o ingresso no PIC Jr., continuava a pedir orientação para o professor Eremilton. “Ela trazia tudo para eu acompanhar. Mostrava como tinha chegado a um resultado de um exercício com um passo a passo, de forma bem didática, como a OBMEP gosta. Ficava maravilhado”, conta o professor. Depois da conquista de mais duas medalhas, um ouro e uma prata, ele afirma que hoje em dia “é impossível saber onde esta menina vai parar.”
Dentre as oportunidades trazidas pelo bom desempenho na OBMEP, Sara destaca as viagens que a olimpíada a proporcionou. A última foi para um hotel fazenda em Águas de São Pedro (SP), onde ela e outros medalhistas participaram de um minicurso do PIC Jr. Os encontros rendem amizades que ela preserva mesmo à distância. “Tenho uma amiga que conheci na premiação com a qual converso até hoje. A gente faz chamada de vídeo para resolver os exercícios”, conta a menina.
Com múltiplos interesses como música, karatê, dança e, evidentemente, os estudos, ela ainda não consegue determinar a profissão que deseja seguir no futuro. Gosta da área de Relações Internacionais e da carreira agitada dos diplomatas. “Adoraria trabalhar viajando. Mas quando penso no futuro, gostaria de levar também todos os meus outros interesses comigo.” A gente torce para a matemática continuar ocupando um espaço ilustre na vida dela.